terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Vida de Papel

Não me finjo de idiota
Apenas deixo os pássaros levarem os bons costumes
Aqueles que toda moça preza e reza
Pelas manhãs e madrugadas.

Não me finjo de idiota
Apenas me calo com pouca frequência
Medo de não viver por conseqüência
Sou assim, me desculpa

Não me finjo de idiota
Eu enxergo muito bem a chuva vindo
Não bastou meu trabalho ser inútil, tenho que refazê-lo 
Roupas de mulher e roupas de menina...

Não me finjo de idiota
Dou a honra e trato bem
Sou feita de consciência e orgulho
Este que come e me devora, me sustenta e me adora 

Não me finjo 
Realmente sou feita de fé e de escolhas
Que todos os dias decido
Espero saber o caminho, espero saber o que é bom

Me arrependo de não fingir
De coçar a cabeça e não pensar 
De andar tanto e não chegar 
Ultrapassei a linha mas não ganhei

Não queria, não gostaria, mas adoraria 

Não me finjo, esse troféu eu não mereço 
Não cheguei aonde conheço
Não tive metas e não tracei futuro
Apenas deixei levar... meus bons costumes 

Liberdade sem objetivo, rebeldia sem causa
Faz o tempo gastar e voar
Mas me fez lembrar
Que mesmo assim, eu fui feliz.

Acatar

O tempo muda, e suas estações
Tudo que um dia foi novo, fica velho
Tudo que nasce um dia morre
E tudo que levanta, também cai

Escrevo com meu lápis desgastado e roído
Pela ansiedade e pelas palavras compridas
Pelas conversas em minha consciência que o grafite não entende
Nem tudo acaba... Algumas coisas só desgastam

A força que tem um caráter velho
O poder de um governo ditador
E a qualidade de um vinho bem guardado
As vezes o desgaste nos traz sabor...

Quero olhar com olhos diferentes
Quero descobrir o sabor desse vinho
A gente cai mais nunca permanece
As feridas também tem uma lição de vida

Este ano quero fazer tantas coisas
Uma delas é rir um pouco mais
As lágrimas que derramei foram amargas
Mas as que vierem, tenho que aprender acatar.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Tabacaria


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. (...).



Fernando Pessoa

Autopsicografia


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração



Pessoa, Fernando. Lírica e dramática, In: Obras de Fernando Pessoa